UMA JANELA PARA O TEMPO

Por Danilo Pereira.

Uma das atividades que acompanham a minha trajetória de vida é caminhar. Levo apenas os meus olhos. E nesse movimento deixo que eles se surpreendam cada vez mais com o mundo. Quando olho uma casa, eles costumam se perder nas janelas. Se eu fosse um arquiteto me especializaria em janelas. Esse lugar, que é uma ligação entre o interior e o exterior, sempre me fascinou. Minha casa dos sonhos começa pelas janelas…

Meus olhos também adoram caminhar por entre as páginas dos livros. Neles, as janelas são camufladas e ocupam seus lugares através de imagens, sentimentos, falas ou até mesmo silêncios. AGATHE, de Anne Cathrine Bomann, é um livro repleto de janelas para os olhos dos leitores. Me marcou muito nessa leitura a janela do tempo.

Um psiquiatra está contando as horas que restam de trabalho com os pacientes antes de se aposentar; para ser mais exato 22 semanas, 800 consultas. Esse tempo, como uma janela emoldurada pela contagem regressiva dos dias, é a força que conduz nosso protagonista; um homem com 72 anos, que mora sozinho em sua casa de infância e não tem amigos nem família.

Um dia, uma consulta inesperada. Uma nova paciente (Agathe) quebra as vidraças dessa janela emperrada com vista para um plano de vida idealizado. Diante de uma fresta impensável revertemos a visão do terapeuta, que tinha como hábito desenhar caricaturas de pássaros em vez de fazer anotações sobre seus pacientes. Quando Agathe aparece, os pássaros se transformam em pensamentos, sentimentos, desejos e ganham a maior dádiva possível:o voo.

É através desses voos que o nosso terapeuta reconhece as várias janelas nunca contempladas em seu edifício pessoal. Entre elas, a janela da solidão, que ganha mais densidade a cada sessão de terapia com Agathe. Quando sua fiel secretária precisa se afastar das suas tarefas por motivo da saúde do esposo, a solidão ganha novos contornos. E no momento em que uma paciente não comparece para a consulta, nosso protagonista tem seu momento mais vulnerável: “mas simplesmente não havia lugar suficiente no meu corpo”.

As paredes da sua natureza desmoronam para dar lugar a vibrantes janelas, a novos olhares, novos sentimentos. Agathe é um livro sobre solidão, envelhecimento, dor, indiferença, mas não deixa de ser também um livro sobre encontros.

Danilo Pereira é formado em letras, pós-graduado em Docência do ensino superior e literatura comparada. Tem um canal no YouTube onde compartilha literatura do leste Europeu: “Vostok”. Criador do Clube de literatura nórdica, mantém um perfil no Instagram onde compartilha suas experiências literárias. É sua a colagem que ilustra o post.

Para compartilhar

Deixe um comentário

Carrinho

Nenhum produto no carrinho.

O item search-input não está registrado ou não possui um arquivo view.php.