TOM JOBIM: UM AVENTUREIRO EM LONDRES

 Por Marcus Fernando.

Ele já havia dito “não” a dois convites para fazer as trilhas de filmes dos consagrados diretores americanos Blake Edwards (A Pantera Cor-de-Rosa) e Stanley Donen (Um caminho para dois), que acabaram ambas nas mãos de Henry Mancini.

O que fez então Tom Jobim aceitar o convite do inglês Lewis Gilbert para em 1969 compor as músicas de The Adventurers, um épico de três horas recheado de violência e sexo, baseado no romance de Harold Robbins, um dos autores mais populares de todos os tempos? Em entrevista ao jornal O Pasquim em outubro desse mesmo ano, ele disse: “Eu estava nos Estados Unidos, vinha para o Brasil, e encontrei aquele inglês educado, mineirão… Disse: ‘Vamos fazer um filme’ e coisa e tal. Passou. Depois encontrei com ele na Califórnia e ele disse: ‘Olha, é um filme importante, um filme de 14 milhões de dólares’. Eu esqueci, vim pro Brasil. Mas aí eu estava aqui em casa, vendo minhas coisinhas, tentando levar minha vidinha e tal, quando ele telefona e diz: ‘Está na hora, venha pra Inglaterra.’ Aí eu fui.”

Gilbert era conhecido por ter dirigido Alfie, de 1966, indicado ao Oscar e estrelado por Michael Caine, e pelo filme de 1967 da franquia 007,O Espião que me Amava, com Sean Connery no papel do agente secreto. Além de diretor, Gilbert foi também produtor e um dos roteiristas de The Adventurers, uma superprodução filmada em três países, que conta no elenco com atores de 22 nacionalidades, entre eles os americanos Candice Bergen e Ernest Borgnine, o francês Charles Aznavour, a inglesa Olivia de Havilland e o espanhol Fernando Rey. Como protagonista, o iugoslavo Bekim Fehmiu, então uma estrela em seu país, mas um completo desconhecido em Hollywood. 

A história é livremente inspirada na vida do playboy e diplomata dominicano Porfirio Rubirosa, acusado de ser um assassino político durante o regime do ditador Rafael Trujillo. Com boa parte da trama gravada em Cartagena, na Colômbia, o filme se passa na fictícia república sul-americana de Courteguay, presidida por um general, e conta a saga de um menino que vê quase toda a família ser assassinada por soldados do governo. Ele vai para a Itália, começa uma nova vida, mas nunca consegue se afastar dos problemas de seu país, que segue envolvido na guerra entre os ditadores e os revolucionários. Prato feito para uma boa dose de violência, com muitos tiros, facadas e explosões.

Tom ficou muito preocupado com todo o trabalho que teria pela frente para criar a trilha do filme e chegou a confessar ao amigo Eduardo Ataíde um certo arrependimento em ter aceitado o convite. Além de compor as músicas e escrever os arranjos, ele teria que encaixá-las no tempo certo das cenas, algo novo para ele. Ataíde sugeriu então que ele levasse Eumir Deodato, que acabara de trabalhar com Tom nas orquestrações do disco Sinatra & Company, no qual o grande cantor americano interpretava sete canções do compositor brasileiro.

A trilha foi gravada em Londres onde os custos com músicos era mais baixo. Tom desembarcou na capital inglesa no dia 28 de abril de 1969. Logo depois, chegaria sua esposa, Thereza, com seus filhos, Paulo e Elizabeth. A Paramount, produtora do filme, alugou para eles um típico casarão londrino de três andares no charmoso bairro de Chelsea, perto da King’s Road. Lá, Tom passou muito frio, já que a casa não tinha calefação, apenas uma velha lareira que pouco aquecia. O estúdio ficava no térreo e a residência nos andares superiores. Ele tinha à disposição um piano, um gravador e uma moviola. O escritor Fernando Sabino, então adido cultural na embaixada em Londres, indicou uma cozinheira portuguesa para auxiliar o compositor e sua família.

Foram pouco mais de quatro meses de trabalho em que ele se dividia entre o cinema e o estúdio de gravação. “Um fica em Madureira e o outro em Bonsucesso”, queixava-se da distância que percorria diariamente para trabalhar, ainda que a produção oferecesse um motorista. Foi nessa época que nasceram dois temas jobinianos que ganhariam letra e seriam gravados anos depois. “Search for Amparo”, feito para a personagem de mesmo nome, virou o clássico “Olha Maria”, com versos de Chico Buarque e Vinicius de Moraes. “Children’s Games”, que como o título indica serve a uma bucólica cena com crianças brincando, ficou conhecida como “Chovendo na Roseira”, com letra do próprio Tom. “A Bed of Flowers for Sue Ann”, composta para o personagem de Candice Bergen, permaneceu instrumental e foi gravada pelo compositor, no ano seguinte, no disco Tide, como “Sue Ann”.

Tom aproveitou ainda o período londrino para encontrar Caetano Veloso e Gilberto Gil, que cumpriam exílio na cidade. Terminado o trabalho, foi conhecer Paris com Thereza – era sua primeira vez na Europa – e de lá foram visitar Chico Buarque em Roma. Mas o que ele queria mesmo era voltar ao Brasil e continuar escrevendo música brasileira. Tinha medo de acabar virando um Lalo Schifrin, pianista e compositor argentino, autor de mais de 100 trilhas para cinema e televisão. “Você fica fazendo aquele tipo de música com efeitos eletrônicos, barulho de água, acaba ficando rico, mas já não tem muita coisa a ver com a música”, disse certa vez.

Nem todo o erotismo, já presente no cartaz do filme e explorado ao longo de toda a trama, salvou The Adventurers de um retumbante fracasso. O filme estreou em 25 de março de 1970, com um intervalo depois das primeiras duas horas de projeção. A versão assistida pelos críticos antes da estreia era ainda mais longa, com 205 minutos. A receptividade foi muito ruim e a Paramount resolveu fazer um segundo corte, chegando a 177 minutos. Mas já era tarde, e críticos importantes como a lendária Pauline Kael se recusaram a assistir uma segunda vez. A crítica em geral foi unânime em considerar o filme “um monumento ao mau gosto”, como definiu, por exemplo, a revista Variety. Foi escolhido como um dos dez piores filmes de todos os tempos por um guia de cinema americano. Em 2010, Lewis Gilbert, em entrevista ao programa de rádio da BBC “Desert Islands Discs” (Discos da Ilha Deserta), disse que se arrependia de ter feito o filme, que classificou como um desastre. E escolheu “Águas de Março”, na versão de Tom e Elis, como uma de suas músicas preferidas.

Marcus Fernando é cineasta e produtor musical, diretor de “Torquato Neto – Todas as Horas do Fim”

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