Te respondo aqui,
correspondência tua
1980, no meu nascer.
Desculpe a demora,
quando a mim chegou
trinta e seis anos passados
não mais tripulávamos o mesmo vapor.
Segue foto, veja,
eu no navio
1926, aos cinco.
Envio-te essa carta
da meia-nau
para que eu nunca me esqueça
seremos sempre alinhavados,
menino e pugilista.
Eu sou a carta, entenda,
impressa em corpo
2020, aos quarenta.
Lembro-me de ti aos cinco
no Conte Verde embarcado
vindo me dar lugar,
alinhavados
na mesma maresia.
Esquivo-me dos teus duros golpes de ataque ao mundo.…
Refuto teu posto de comando
refúgio do seu jugo,
d’onde navegava com leme persistente
contra-corrente
as obras-vivas da vida
sempre no limite tênue
da linha flutuante.
Um dia eu fui a travessia,
esvaziada em maré baixa de lua cheia,
1999, aos prantos.
Você se afogando no ar
e eu agora sem me esquivar
do peso morto de ser sua boia à deriva.
Aceno do convés a sua partida. . . sem saber
foi você piranha ou boi.
A poesia imagina.
Ano I, ao mar estamos
embalados por violeiras desconhecidas
alinhavados no bordado marítimo
de cartas póstumas
circunscritas apenas
as amuradas afetuosas
do nosso próprio navio.
Entre marés, enfim reconciliada neta sua de avô meu,
enxergo da proa
a borda-falsa que nos salvou
as tormentas atravessadas
as calmarias deleitadas.
Assumo teus punhos cerrados em riste
– e veja de novo,
sou mesmo eu na foto –
Pugilista dos mares.